Pilar del Río diz que obra inacabada é último trabalho de Saramago
Romance sobre tráfico de armas será publicado incompleto.
Viúva do escritor está em Belém, onde lança obras inéditas de Saramago.
A viúva de Saramago, Pilar del Río, exibe as imagens do escritor em vários momentos de sua vida, presentes na obra inédita no Brasil “Da Estátua à Pedra e Discursos de Estocolmo”. (Foto: Luana Laboissiere/G1)
A jornalista e tradutora literária Pilar del Río, esposa de José Saramago por 22 anos, disse que a obra inacabada "Alabardas, alabardas! Espingardas, espingardas!", anunciada em 2010, ano da morte português, deve ser o último trabalho do escritor. Segundo Pilar, ao contrário de autores como Fernando Pessoa, Saramago não deixou escritos originais para serem resgatados e publicados. “Tudo o que produziu, foi e será publicado. Saramago não tinha originais; não há papéis como na casa de Fernando Pessoa...”, lamenta a jornalista.O título do romance, ainda sem data para publicação, é uma referência ao poeta português Gil Vicente e fala sobre o tráfico de armas. Ainda de acordo com Pilar, apesar de não ter sido concluída, a obra poderá ser compreendida pelos leitores. “O que está escrito será publicado. São vários capítulos, têm uma unidade, funcionam como um relato", revela Pilar, que ainda não tem previsão de lançamento do romance.
O livro será o terceiro trabalho inédito de Saramago desde "Caim", de 2009: outros dois títulos, "Da Estátua à Pedra e Discursos de Estocolmo” e “Democracia e Universidade", serão lançados no Brasil nesta sexta-feira (30) em Belém e vendidos na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Em entrevista ao G1, Pilar disse que o primeiro livro apresenta as reflexões do autor português sobre sua própria trajetória literária, extraídas durante uma conferência em abril de 1998 na Universidade de Turim, e do discurso que os premiados com o Nobel apresentam à academia sueca.
Já em “Democracia e Universidade”, Saramago convida os leitores a questionar o uso de termos como “justiça”, “bondade”, “utopia" e “educação”, debatidos em uma conferência na Universidade Complutense de Madri, em 2005. Ele chama ainda a atenção para o valor da democracia na atualidade, estabelecendo uma crítica sobre o voto e a distância que se cria entre os eleitos ao poder e o povo a quem dizem representar.
O escritor recebeu, em 1995, o Prêmio Camões,
e três anos depois seria laureado com o Nobel de
Literatura. (Foto: Francisco Leong/AFP)
Dicionárioe três anos depois seria laureado com o Nobel de
Literatura. (Foto: Francisco Leong/AFP)
Pelo ritmo de lançamentos, Saramago é um autor produtivo, mesmo depois de morto. Além dos livros inéditos, o público poderá acompanhar seu estilo literário através do “Dicionário Saramaguiano”, um trabalho que está sendo feito pelo professor e ensaísta Carlos Reis, da Universidade de Coimbra, em parceria com uma universidade brasileira e outras instituições. Pilar considera que esse é um dos maiores projetos em torno do autor, e destaca a dificuldade do trabalho.
“Reis é um estudioso, faz um trabalho crítico e interessante, é um grande conhecedor da obra e grande amigo de Saramago. Ele publicou ‘Diálogos com José Saramago’ em 1998, teve acesso aos papéis de Saramago com ele (o escritor) vivo, e passou até uma temporada em Lanzarote (ilha espanhola onde o escritor morou por 17 anos). É um trabalho de anos, por isso, não há previsão de lançamento”, enfatiza.
A relação de José Saramago e Pilar Del Río foi
tema de documentário lançado em 2010
(Foto: Divulgação)
Parceriatema de documentário lançado em 2010
(Foto: Divulgação)
O trabalho com a obra do marido consome a maior parte do tempo de Pilar, que administra o legado do único escritor de língua portuguesa premiado com o Nobel de Literatura. Apesar disso, ela conta que não se vê como "a mulher por trás de Saramago". " Nem atrás, nem ao lado, nem à frente. Com. Cada um trabalhando em sua parte: Saramago em seu trabalho de qualidade, magnífico. E eu com meu trabalho de jornalista. Saramago com sua importância e eu como a minha, humilde. Cada um em seu lugar e os dois em harmonia. Saramago estava com Pilar, e Pilar estava com Saramago", define.
Homenageada em várias dedicatórias de Saramago, Pilar mantém uma postura reservada sobre o relacionamento do casal. "Ele decidiu um dia de sua vida, tornar isso público, foi uma necessidade dele. Não tenho palavras, não há palavras, éramos só nós três: eu, ele e o silêncio. O silêncio é mais eloquente, muito mais", pondera.
Ausência
Se o público sente falta do Saramago escritor, Pilar conta que percebe a ausência do marido em vários momentos, mesmo com o lançamento de novas obras. "É o que mais sinto. Por exemplo, estar aqui em Belém e não poder comentar. Quando entro no avião e me sento, olho para o lado, e não o vejo. Saramago disse em algum momento que a morte é 'ter estado e já não estar'. Pois eu, a cada dia que passa, sinto mais que já não está. Dizem que a morte, com o tempo, vai se aliviando, o que é uma mentira. A morte é cada vez mais presente a cada dia que passa. Porque é um dia mais em que (ele) não está" disse, emocionada.
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